Cleuza se encaixava no
perfil da mulher moderna. Independente, culta, dona do próprio nariz e, aos
trinta e quatro anos... encalhada. Tadinha da Cleuza! Diante das evidências de
que estava ficando pra titia, até que andava se esforçando. Passou a frequentar
toda boate e clube de dança que encontrava pelo caminho. E, lá ficava sentada.
Sozinha numa mesa, jogando o cabelo pro lado. Fumando cinematograficamente.
Acalentando a doce esperança que alguém a notasse. Mas, homem que era bom,
nada. Verdade seja dita, a noite nunca passava em branco. Sempre aparecia um
engraçadinho com a promessa da noitada inesquecível. Regada a colchão d água,
teto espelhado, cama vibratória, chantilly em certos lugares tc e tal. Certa
vez, no Clube de Dança Buraco Quente (olha onde a Cleuza foi parar!), seus
ouvidos foram testemunhas de uma proposta sadomasoquista. Ela vestida de
BatGril, chicote em punho, distribuiria lapadas calientes nele, aquele velho
descarado de terno e gravata, com ar sério, sentado à sua frente, que rolaria
no chão vestido de Pantera Cor-de-Rosa. Refeita do choque, Cleuza tinha uma
estratégia para esses tipos de cantadas. Fingia não ter ouvido, deixava o
sujeito falando sozinho, colocava a bolsa no ombro, ia aliviada pra casa.
Já estava se
acostumando com a idéia de ser uma solteirona. Mas, dos filhos ela não abriria mão.
Quando eles perguntassem quem era o pai, diria, revoltada, que recorreu à
inseminação artificial, pois os homens tinham desaparecido da face da Terra. Assumiria
uma produção independente. Seria fácil, bastava dar uma olhada nos jornais. Estavam
cheios de clínicas especializadas. Após alguns contatos, chegou à conclusão de que
fazer um filho em laboratório custava caro. Se não fossem a última
lipoaspiração, as prestações do carro novo, do apartamento, bem que sua conta
bancária não estaria no vermelho. Tadinha da Cleuza! Sem homem nem dinheiro pra
ter um filho. Restava tomar medidas extremas. Vestir uma carapuça, sair pelas madrugadas.
Pular em cima e estuprar o primeiro que encontrasse pelo caminho. Não, não
podia se submeter a isso! Era uma mulher sensata. Outros meios deveriam
existir, certamente. Folheando os classificados, encontrou a seção de
"trabalhos". Então, resolveu consultar o Pai Zeca de Ogun. Afinal, ele
atava e desatava, fazia e desfazia. Tudo garantido ou a pessoa recebia o
dinheiro de volta.
Uma voz feminina com
sotaque espanhol fajuto agendou a consulta. Cleuza chegou ao terreiro no dia e
horário marcados. Um preto velho fumava seu cachimbo sentado debaixo de uma
enorme mangueira. Apareceu uma assistente e a levou até esse ancião. Cleuza
sentou sobre as folhas secas. O preto pegou ao lado uma garrafa de pinga, deu
um gole. Ofereceu a Cleuza que recusou. Ofereceu novamente. E acabou informando
que, se ela não bebesse, o santo não baixava. Tadinha da Cleuza! Pensou que
iria morrer, ao sentir a pinga descendo a goela e rasgando os bofes. Ficaram
alguns instantes em silêncio, até a assistente explicar que, se o cheque não
fosse assinado antecipadamente, o santo também não baixava. Cleuza tinha
esquecido o talão. A assistente, sorriso em pessoa, disse não ter problema. Pai
Zeca aceitava cartão. Finalmente, após entregar o cartão, o santo baixou. Arregalando
os olhos, Zeca de Ogun falou que teria de fazer um trabalho forte, já que a
cliente tinha um encosto de pombagira esquizofrênica. Consistia em amarrar a
boca de um sapo com uma calcinha dentro. Mas, não um sapo qualquer. Tinha de
ser um sapo-boi da barriga amarela. Bicho difícil, muito manhoso, que só dava
as caras em noite de lua cheia. E, como o preto velho estava muito velho para
andar atrás de sapo, caberia a Cleuza conseguir o bicho.
Lagoa da Barriguda, vinte
e sete de setembro, noite de lua cheia. As câmeras da Organização
Não-Governamental Amigos do Mato estavam cuidadosamente camufladas para filmar
o raríssimo Strupicius Strupicius, popularmente conhecido como sapo-boi da
barriga amarela. Tudo corria bem, quando apareceu uma maluca, não se sabe de
onde, e pulou sobre os pobres dos sapos. Imediatamente agarrada, foi levada pra
delegacia. Diante daquelas imagens, o delegado não teve dúvida. Era membro de
uma quadrilha internacional de traficantes de animais com sede na Tasmânia. Presa
com a prova do crime, um sapo-boi macho, Cleuza teve sua foto impressa nas
páginas policiais. Pior que isso, foi saber pelo seu advogado que, sendo um
crime inafiançável, ficaria trancafiada junto com aquele sapo pelo menos uns
vinte dias até o julgamento. Tadinha da Cleuza! Tadinha mesmo! Até eu, que
escrevo esta história, acabei ficando com pena dela. Por isso, resolvi dar uma
força.
Acontece que durante
esses vinte dias, nos quais Cleuza olhava pro sapo e o sapo olhava pra Cleuza, surgiu,
digamos, uma amizade entre os dois. Absolvida após de descobrirem que o pessoal
da ONG fazia, na verdade, pirataria biológica, Cleuza saiu da cadeia com seu
novo amigo. Então, aconteceu o improvável. O sapo começou a falar.
-Dá um beijo.
-Quê?!
-Dá um beijo.
-Ai, meu Deus, pirei de
vez!
Iria processar o
Estado. Todos eram testemunhas que entrou na prisão sã. Quer dizer, nas
condições em que foi presa, correndo atrás de sapo em plena madrugada, deveriam
tê-la encaminhado ao menos para um psiquiatra. Não a trancar naquela gaiola, sozinha,
tendo um sapo por companhia. O resultado é que seu juízo não aguentou. Agora
estava vendo o sapo falar, pedir beijo. Fazer beicinho com aquela boca
pegajosa.
-Dá um beijo.
-Não!
Foi impossível não
notar a tristeza no semblante do sapo, que foi se afastando de cabeça baixa. Cleuza
sentiu uma pontinha de remorso. Ele foi sua companhia nas noites solitárias, um
ouvinte atento de suas queixas. E acabou tratado daquela forma. Porém, dar um
beijo naquela boca viscosa da qual saia uma língua quilométrica em direção a
moscas desprevenidas... paciência! Podia até negociar. Quem sabe um abraço? Chamou
enfim o sapo, que veio saltitando.
-Dá um beijo.
-Não, um abraço.
O bicho ficou por
instante pensativo, mas acabou consentindo. Cleuza o apertou contra o peito. Fechou
os olhos. O sapo, malandro, aproveitou a oportunidade, saltou em seu rosto e
deu uma bitoca. Sentindo aquela baba fria nos lábios, ela abriu os olhos para
estrangular o bicho, só que não acreditou no que viu.
À sua frente, imóvel, estava
o Antônio Fagundes. O galã da televisão, quem diria!, não tinha sido seqüestrado,
como todos imaginavam. Mas acabou vítima de uma fã despeitada que encomendou
uma mandinga poderosa ao Pai Zeca de Ogun. Transformado em sapo, Fagundes
literalmente caiu na sarjeta. Por uma via de esgoto clandestina, descambou na
Lagoa da Barriguda. Tudo isso, entretanto, era passado. Livre daquele feitiço, o
que queria mesmo era ficar junto de sua alma gêmea, a Cleuza. Para tirar o
atraso, ela marcou o casório logo para o mês seguinte. E foram felizes para
sempre.
Rutinaldo, desculpe se estou postando em lugar inapropriado mas preciso falar com você. Enviei-lhe um e-mail para rutinaldomiranda@hotmail.com, mas parece que você não o leu. Poderia estar entrando em contato comigo? Meu e-mail é odacyrrms@hotmail.com ou odacyrroberth@gmail.com
ResponderExcluirTambém tenho um blog (Peripécias Psicológicas):
http://estereotipodaperfeicao.blogspot.com/
Pode também estar entrando em contato comigo através dele.
Desde já agradeço a atenção e peço desculpas se estou sendo inoportuno.