Comida de rua pode ser uma caixinha de
surpresas. Das mais desagradáveis possíveis. Aconselho a não abocanhar tudo de
uma vez. Muita calma nessa hora. Antes, conheça a comida de perto. Dê uma
espiadinha por fora. Sem esquecer que o principal está por dentro. O recheio do
pastel é um caso exemplar. Nem sempre vem apenas com o que promete. Existem
alguns “ingredientes extras”, que a gente não costuma pedir. E já perdi a conta
das moscas que encontrei nas biroscas da vida. Dá até pena. Sinto mesmo dó, um
aperto no coração. A bichinha está lá, perto da ervilha, toda encolhidinha.
Aquele infeliz pontinho preto no meio da carne. Imóvel. Morta, minha gente!
Morta! Puxa, me comovo, pacas! Era um ser, uma vida. E onde foi parar? Justo no
meu pastel. O que me faz cúmplice desse assassinato gastronômico. Sim, por que
as moscas só morrem dentro do pastel, se tem alguém esfomeado pra fazer um
rango tosco. E a pergunta que não quer calar é como ela morreu. Questionamentos
que vêm da consciência atormentada. Se foi morte indolor, menos mal. Dá pra se
conformar. Quem sabe a mosca estivesse deprimida. Vida de inseto é mesmo
dureza. Predadores pra todo lado e asas pra que te quero. E aí veio aquela
idéia louca, quando estava sobrevoando a panela de molho. Mergulhar ou não
mergulhar no tomate, eis a questão. Desgostosa, não pensou duas vezes. Caiu de
cabeça, dentro da panela. Uma morte em grande estilo. Mas ela pode ter sido uma
vítima das circunstâncias.
Uma panela sem tampa. Algo insignificante para
os humanos. Para uma mosca, contudo, uma terrível armadilha. Seguia voando
distraída, quando de repente... catbum! Atordoada pelo vapor, caiu para a morte
numa piscina fumegante e vermelha! Triste, muito triste. Depois, sabe como é.
Do molho pro recheio. Do recheio pro pastel. Do pastel pra estufa de vidro.
Quatro dias, esperando um freguês. O pastel já meio esverdeado, pegando um
sabor a mais. Enfim, aparece um candidato a ter diarréia. Gulosamente compra o produto.
Só que desta vez, não engole em duas grandes bocadas. Algo muito estranho
acontece. Parecido com o sexto sentido do homem-aranha. Uma voz interior
(talvez a do seu intestino) aconselha. “Dá uma olhada na gororoba, antes”. E
ele olha. E ele se enoja de ver a mosca. E diz poucas e boas pro balconista.
Que se faz de desentendido. Afinal, não é ele que faz todo aquele lixo. Vai
mesmo é ficar na sua. Pois sabe guardar segredos indizíveis. Todo aquele
escândalo só por uma mosca no pastel. Ah, se soubessem o que tem na coxinha!
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