domingo, 17 de junho de 2012

Tadinha da Cleuza!



    Cleuza se encaixava no perfil da mulher moderna. Independente, culta, dona do próprio nariz e, aos trinta e quatro anos... encalhada. Tadinha da Cleuza! Diante das evidências de que estava ficando pra titia, até que andava se esforçando. Passou a frequentar toda boate e clube de dança que encontrava pelo caminho. E, lá ficava sentada. Sozinha numa mesa, jogando o cabelo pro lado. Fumando cinematograficamente. Acalentando a doce esperança que alguém a notasse. Mas, homem que era bom, nada. Verdade seja dita, a noite nunca passava em branco. Sempre aparecia um engraçadinho com a promessa da noitada inesquecível. Regada a colchão d água, teto espelhado, cama vibratória, chantilly em certos lugares tc e tal. Certa vez, no Clube de Dança Buraco Quente (olha onde a Cleuza foi parar!), seus ouvidos foram testemunhas de uma proposta sadomasoquista. Ela vestida de BatGril, chicote em punho, distribuiria lapadas calientes nele, aquele velho descarado de terno e gravata, com ar sério, sentado à sua frente, que rolaria no chão vestido de Pantera Cor-de-Rosa. Refeita do choque, Cleuza tinha uma estratégia para esses tipos de cantadas. Fingia não ter ouvido, deixava o sujeito falando sozinho, colocava a bolsa no ombro, ia aliviada pra casa.

    Já estava se acostumando com a idéia de ser uma solteirona. Mas, dos filhos ela não abriria mão. Quando eles perguntassem quem era o pai, diria, revoltada, que recorreu à inseminação artificial, pois os homens tinham desaparecido da face da Terra. Assumiria uma produção independente. Seria fácil, bastava dar uma olhada nos jornais. Estavam cheios de clínicas especializadas. Após alguns contatos, chegou à conclusão de que fazer um filho em laboratório custava caro. Se não fossem a última lipoaspiração, as prestações do carro novo, do apartamento, bem que sua conta bancária não estaria no vermelho. Tadinha da Cleuza! Sem homem nem dinheiro pra ter um filho. Restava tomar medidas extremas. Vestir uma carapuça, sair pelas madrugadas. Pular em cima e estuprar o primeiro que encontrasse pelo caminho. Não, não podia se submeter a isso! Era uma mulher sensata. Outros meios deveriam existir, certamente. Folheando os classificados, encontrou a seção de "trabalhos". Então, resolveu consultar o Pai Zeca de Ogun. Afinal, ele atava e desatava, fazia e desfazia. Tudo garantido ou a pessoa recebia o dinheiro de volta.

    Uma voz feminina com sotaque espanhol fajuto agendou a consulta. Cleuza chegou ao terreiro no dia e horário marcados. Um preto velho fumava seu cachimbo sentado debaixo de uma enorme mangueira. Apareceu uma assistente e a levou até esse ancião. Cleuza sentou sobre as folhas secas. O preto pegou ao lado uma garrafa de pinga, deu um gole. Ofereceu a Cleuza que recusou. Ofereceu novamente. E acabou informando que, se ela não bebesse, o santo não baixava. Tadinha da Cleuza! Pensou que iria morrer, ao sentir a pinga descendo a goela e rasgando os bofes. Ficaram alguns instantes em silêncio, até a assistente explicar que, se o cheque não fosse assinado antecipadamente, o santo também não baixava. Cleuza tinha esquecido o talão. A assistente, sorriso em pessoa, disse não ter problema. Pai Zeca aceitava cartão. Finalmente, após entregar o cartão, o santo baixou. Arregalando os olhos, Zeca de Ogun falou que teria de fazer um trabalho forte, já que a cliente tinha um encosto de pombagira esquizofrênica. Consistia em amarrar a boca de um sapo com uma calcinha dentro. Mas, não um sapo qualquer. Tinha de ser um sapo-boi da barriga amarela. Bicho difícil, muito manhoso, que só dava as caras em noite de lua cheia. E, como o preto velho estava muito velho para andar atrás de sapo, caberia a Cleuza conseguir o bicho.

    Lagoa da Barriguda, vinte e sete de setembro, noite de lua cheia. As câmeras da Organização Não-Governamental Amigos do Mato estavam cuidadosamente camufladas para filmar o raríssimo Strupicius Strupicius, popularmente conhecido como sapo-boi da barriga amarela. Tudo corria bem, quando apareceu uma maluca, não se sabe de onde, e pulou sobre os pobres dos sapos. Imediatamente agarrada, foi levada pra delegacia. Diante daquelas imagens, o delegado não teve dúvida. Era membro de uma quadrilha internacional de traficantes de animais com sede na Tasmânia. Presa com a prova do crime, um sapo-boi macho, Cleuza teve sua foto impressa nas páginas policiais. Pior que isso, foi saber pelo seu advogado que, sendo um crime inafiançável, ficaria trancafiada junto com aquele sapo pelo menos uns vinte dias até o julgamento. Tadinha da Cleuza! Tadinha mesmo! Até eu, que escrevo esta história, acabei ficando com pena dela. Por isso, resolvi dar uma força.

    Acontece que durante esses vinte dias, nos quais Cleuza olhava pro sapo e o sapo olhava pra Cleuza, surgiu, digamos, uma amizade entre os dois. Absolvida após de descobrirem que o pessoal da ONG fazia, na verdade, pirataria biológica, Cleuza saiu da cadeia com seu novo amigo. Então, aconteceu o improvável. O sapo começou a falar.

-Dá um beijo.

-Quê?!

-Dá um beijo.

-Ai, meu Deus, pirei de vez!

    Iria processar o Estado. Todos eram testemunhas que entrou na prisão sã. Quer dizer, nas condições em que foi presa, correndo atrás de sapo em plena madrugada, deveriam tê-la encaminhado ao menos para um psiquiatra. Não a trancar naquela gaiola, sozinha, tendo um sapo por companhia. O resultado é que seu juízo não aguentou. Agora estava vendo o sapo falar, pedir beijo. Fazer beicinho com aquela boca pegajosa.  

-Dá um beijo.

-Não!

    Foi impossível não notar a tristeza no semblante do sapo, que foi se afastando de cabeça baixa. Cleuza sentiu uma pontinha de remorso. Ele foi sua companhia nas noites solitárias, um ouvinte atento de suas queixas. E acabou tratado daquela forma. Porém, dar um beijo naquela boca viscosa da qual saia uma língua quilométrica em direção a moscas desprevenidas... paciência! Podia até negociar. Quem sabe um abraço? Chamou enfim o sapo, que veio saltitando.

-Dá um beijo.

-Não, um abraço.

    O bicho ficou por instante pensativo, mas acabou consentindo. Cleuza o apertou contra o peito. Fechou os olhos. O sapo, malandro, aproveitou a oportunidade, saltou em seu rosto e deu uma bitoca. Sentindo aquela baba fria nos lábios, ela abriu os olhos para estrangular o bicho, só que não acreditou no que viu.

    À sua frente, imóvel, estava o Antônio Fagundes. O galã da televisão, quem diria!, não tinha sido seqüestrado, como todos imaginavam. Mas acabou vítima de uma fã despeitada que encomendou uma mandinga poderosa ao Pai Zeca de Ogun. Transformado em sapo, Fagundes literalmente caiu na sarjeta. Por uma via de esgoto clandestina, descambou na Lagoa da Barriguda. Tudo isso, entretanto, era passado. Livre daquele feitiço, o que queria mesmo era ficar junto de sua alma gêmea, a Cleuza. Para tirar o atraso, ela marcou o casório logo para o mês seguinte. E foram felizes para sempre.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O Tubarão Banguela



MANDE ESSA IMPORTANTE NOTÍCIA PRO SEU MELHOR AMIGO

O Tubarão Banguela 

   Vou te contar um grande babado. Uma coisa quentíssima. Não perde tempo. Pega logo aí uma caneta e papel. Essa informação vai mudar tua vida. Acredite, de verdade. A minha mudou imediatamente. Foi só eu saber. Agora, não sou mais o mesmo.  E nunca mais serei como antes. A boa nova é a seguinte. Você sabia que não existe tubarão banguela?

   Não, não existe. É algo mesmo fantástico. O tubarão troca de dente, como quem troca de roupa. Se cai um, nasce logo outro. Incrível, não acha? Estou tremendo até agora. Como não me contaram isso antes! Agora, vou guardar para sempre em minha lembrança. E nunca mais quero esquecer. Não existe tubarão banguela... Não existe tubarão banguela... Não existe tubarão banguela... Com certeza, meus netinhos não podem deixar de ouvir isso. O Grande Segredo do Universo. Já estou até imaginando. Eu e o futuro pirralho. Nós dois, de mãos dadas. No fim de uma futura tarde de um verão futuro. Admirando aquele pôr do sol inesquecível. Eu, segurando minha bengala eletrônica de última geração. Sem botox pra disfarçar os efeitos do tempo. Mas já bastante maltratado pelos anos. E de repente, não mais que de repente. Aquela inocente criança vai escutar. A maior da mais maior de grande das grandes verdades da vida. Simplesmente, “a notícia extraordinária”.  Aquilo que vai mudar a sua humilde existência. E de meus próprios lábios, é que será dito... Sabe o quê?... Ah, tenta só adivinhar... Isso mesmo! “Sabe que não existe tubarão banguela?” Depois, ele vai me olhar com seus pequeninos olhos. Cheio de fascinação e assombro. Perguntando muito surpreso. “É mesmo vovô?” Ali, metade do Universo, para ele, já ganhou um novo significado. E depois, pensando um pouquinho mais. Botando sua jovem cabecinha pra funcionar. Vai perguntar também o que todo mundo pergunta.  “Mas pra que serve afinal essa merda?”


domingo, 10 de junho de 2012

As Baratas


   
   Todo mundo odeia as baratas. E fico pensando em que poderiam ser úteis. Uma barata serve pra que, mesmo? Até pra matar é aquela nojeira. Uma gosma fedorenta. Se bobear, transmite giárdia. Deixando aquelas bolotas pretas de (você sabe o quê!) dentro do armário da cozinha. Ô, bichinho porco, Meu Deus. E por falar no Criador, por que será que Ele inventou tais insetos?

   Segundo a Bíblia, foram sete dias pra criar o Universo. A barata foi criada no qual? Provavelmente no finzinho do “expediente divino”. Lá no sétimo dia, às onze e cinquenta e nove da noite. Deus já querendo tirar suas férias. Tudo prontinho. Terras, céus e mares. Ou quase pronto. Que mais poderia faltar? 23:59:57... 23:59:58... 23:59:59... E, num momento de grande inspiração, catbum! Foi feita a barata.

   E a gente fica indignado, não é? Talvez porque nos consideramos muito superiores. Os bam-bam-bans da Criação. É, eu sei. A gente realmente se acha. Já a pobre barata... Sabe como é. Um simples inseto. Pequenina, pequenina. Reduzida à sua insignificância. Vive se escondendo. Olha o chinelão! Aí, quanto desespero! Um corre-corre daqui, voa-voa dali. Tudo pra salvar sua vidinha que ninguém dá a menor importância. E, cá pra nós, como ela luta pra viver! Mesmo mortalmente ferida, mexe as patas buscando andar. Numa última esperança de não morrer. Que geralmente é inútil. Quanta ironia! Tamanho valor dado à vida, por um insetinho que todos queremos matar.

   Pois a barata é mesmo um bicho indecente. E Deus deve ter se envergonhado de criar. Afinal, não são elas que jogam bombas atômicas em outras baratas? Sem falar que, longe da nossa perfeição humana, chegam mesmo a escraviza suas irmãs. Por isso, o ser humano esmaga toda barata que encontra pelo caminho. Na maior paz de espírito. Sem uma gotinha sequer de remorso. E no fundo, acaba agradecendo a Deus por Ele mesmo não ser como o próprio homem.     
   
   

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O Chuchu e o Diamante



   Pense rápido! Bem rápido mesmo. Rápido de verdade. Acelera logo esses neurônios. E me responda uma coisa. Assim, direito na lata. Qual seria o presente da tua vida? Vou te oferecer dois. Um diamante e um suco de chuchu. Escolhe um, sem demora. Escolhe logo de uma vez, que tempo é DINHEIRO. Já escolheu? Eu sei que foi muito difícil. Não queria estar na tua pele. Uma pergunta dessas... ai, ai! Como é complicada! Exige grande sabedoria. Ainda bem que você é inteligente. Eu sempre tive certeza disso. Deve ter respondido que não sabia. Que eu, sim, que tomasse vergonha na cara. Tão feio ficar botando pressa no pensamento dos outros! Querendo fazer da cabeça alheia a minha propriedade. Afinal, tanta pressa poderia induzir ao erro. Algo que com certeza, esse humilde escritor, faz questão de esclarecer. Jamais desejaria. Mas se você escolheu um dos presentes, eu sei que foi o suco de chuchu. Porque, somente se fosse o filho do jumento com a égua, o tal senhor(a) B, teria preferido uma inútil pedrinha. Pois o diamante nada é que isso. Uma pedrinha apenas. Com a irrelevante diferença de brilhar um pouco mais. Além de outro detalhezinho. Ele também pode custar alguns milhões. Mas isso é realmente importante?

   Se prestou atenção, deve estar lembrado. Que esse seria o presente da tua vida. Só não falei em que circunstâncias. Ainda bem que levou isso em consideração. Afinal, você não é o filho do jum... E vai receber teu belo presente num lugar muito especial. Um aconchegante deserto. Com temperatura amena em torno de 60 graus. Umas cobras e lagartos básicos pra te fazer companhia. Sem beber água há uma semana. Nem uma gotinha sequer. A língua sequíssima mesmo. Grudando no céu (ou seria inferno?) da boca. Uma pessoa comum já estaria no Além. Apenas em três dias. Mas você pode ser tudo. Menos uma pessoa comum. Tu é o mesmo cara! Aquele(a) que fez a ESCOLHA CERTA. Então, pra dar mais valor a teu presente, resolvi aumentar ainda mais a tua sede. Deixei você, meu amigo ou minha amiga, por uma semana tostando ao sol, sem molhar a goela. E de repente, já cuspindo poeira, com um pé na cova, aparece aquele presente maravilhoso. Diz se não é uma beleza! Um providencial suco de chuchu. Feito no capricho. Na versão diet, sem açúcar, exclusivamente pra você. Naturalmente, esverdeado. Que vai ser bebido com aquele gosto. Um verdadeiro néctar dos deuses, nessa situação medonha. Um menosprezado suco de chuchu. A bebida que vai te salvar de virar torresmo. É ou não é o legítimo presente da tua vida?
    
   Mas o filho do jumento com a égua... Esse daí, esturricando no deserto, vai preferir um diamante pra beber. Vai ser bem difícil! Só que infelizmente é a vida. Algumas pessoas desconhecem uma solene verdade. Todas as coisas têm um valor relativo. Que a cabeça da gente dá. Influenciada por opiniões geralmente aceitas sem resistência. O que você mais necessita nem sempre é o que mais valoriza. O diamante e o suco de chuchu foi um exemplo. Inúmeros outros existem. Pense no ar que está respirando. Sem ele, em poucos minutos deixaria de existir. E mesmo assim, é de graça. Nosso bem-estar também não deixa de ser um estado de espírito. E, às vezes, somos infelizes, porque os outros querem que assim nos sintamos. Apenas pra comprar um monte de bugigangas. Desconhecendo que nossa vida já é o maior dos presentes.

terça-feira, 5 de junho de 2012

A Mosca do Pastel



 Comida de rua pode ser uma caixinha de surpresas. Das mais desagradáveis possíveis. Aconselho a não abocanhar tudo de uma vez. Muita calma nessa hora. Antes, conheça a comida de perto. Dê uma espiadinha por fora. Sem esquecer que o principal está por dentro. O recheio do pastel é um caso exemplar. Nem sempre vem apenas com o que promete. Existem alguns “ingredientes extras”, que a gente não costuma pedir. E já perdi a conta das moscas que encontrei nas biroscas da vida. Dá até pena. Sinto mesmo dó, um aperto no coração. A bichinha está lá, perto da ervilha, toda encolhidinha. Aquele infeliz pontinho preto no meio da carne. Imóvel. Morta, minha gente! Morta! Puxa, me comovo, pacas! Era um ser, uma vida. E onde foi parar? Justo no meu pastel. O que me faz cúmplice desse assassinato gastronômico. Sim, por que as moscas só morrem dentro do pastel, se tem alguém esfomeado pra fazer um rango tosco. E a pergunta que não quer calar é como ela morreu. Questionamentos que vêm da consciência atormentada. Se foi morte indolor, menos mal. Dá pra se conformar. Quem sabe a mosca estivesse deprimida. Vida de inseto é mesmo dureza. Predadores pra todo lado e asas pra que te quero. E aí veio aquela idéia louca, quando estava sobrevoando a panela de molho. Mergulhar ou não mergulhar no tomate, eis a questão. Desgostosa, não pensou duas vezes. Caiu de cabeça, dentro da panela. Uma morte em grande estilo. Mas ela pode ter sido uma vítima das circunstâncias.

  Uma panela sem tampa. Algo insignificante para os humanos. Para uma mosca, contudo, uma terrível armadilha. Seguia voando distraída, quando de repente... catbum! Atordoada pelo vapor, caiu para a morte numa piscina fumegante e vermelha! Triste, muito triste. Depois, sabe como é. Do molho pro recheio. Do recheio pro pastel. Do pastel pra estufa de vidro. Quatro dias, esperando um freguês. O pastel já meio esverdeado, pegando um sabor a mais. Enfim, aparece um candidato a ter diarréia. Gulosamente compra o produto. Só que desta vez, não engole em duas grandes bocadas. Algo muito estranho acontece. Parecido com o sexto sentido do homem-aranha. Uma voz interior (talvez a do seu intestino) aconselha. “Dá uma olhada na gororoba, antes”. E ele olha. E ele se enoja de ver a mosca. E diz poucas e boas pro balconista. Que se faz de desentendido. Afinal, não é ele que faz todo aquele lixo. Vai mesmo é ficar na sua. Pois sabe guardar segredos indizíveis. Todo aquele escândalo só por uma mosca no pastel. Ah, se soubessem o que tem na coxinha!

domingo, 3 de junho de 2012

Mania Feminina



  Mulher tem uma mania estranha. Vive sempre contando o tempo de um amor. Relembrando a data em que se conheceram. “Sabe que dia é hoje?” Todo homem vai escutar essa pergunta uma vez na vida. Se não for gay ou um virgem convicto, é claro. Mas não tem erro, não. Essa pergunta só tem mesmo uma resposta. Pra elas, o Apocalipse estando agendado pra hoje, não teria a menor importância. Apenas que se trata do mesmo dia, daquele mês, daquele ano lá das quantas em que se conheceram. Por isso, os homens andam mais prevenidos. Quer ver? No caso de você ser uma leitora, vamos fazer um rápido teste.

   Não precisa de papel nem caneta. Não vai ter gramática nem trigonometria. Só chega lá, de mansinho. Bem na carteira dele. Não, não é o que está pensando! Quero logo garantir que esse é um teste honesto. Apenas feito na surdina, por uma questão de metodologia. Agora, vai lá. Justamente quando o seu amado estiver dormindo. Mas não aproveita e coloca em prática outra mania feminina. De ficar procurando mancha de batom. Com a carteira já em mãos. É hora de descobrir o grande segredo. Como ele consegue te amar tanto, pois sempre lembra a data.

   No bolsinho mais escondido, vai encontrar um pequenino papel. Encontrou? Essa não é a hora pra desespero. Isso não é o telefone da outra. Esse telefone fica em outro lugar. Mas encontrando o papel, faça agora o que é mais importante. Abra. Depois de aberto, sei que está vivendo uma grande emoção. Assim, abra também os olhos. E agora, enxergou?  Pois é, está escrito bem aí. O dia, o mês e o ano.  E se ele for mais “romântico” ainda, a hora, o minuto e o segundo. Daquele momento mágico em que o amor nasceu (poxa, como eu estou poético!)

    Mas não vai ficar zangada com ele. Isso seria uma grande injustiça. Que homem se daria a esse patético trabalho? De andar a vida inteira com a data oficial da amada no bolso? Apenas um cara que a ama muito. Agora, se não encontrou o tal papelzinho... Bem, aí já é outra história. Provavelmente uma história a três. E eu vou te dar o meu conselho. Vai procurar pela mancha de batom.

sábado, 2 de junho de 2012

Assim Tropeça a Humanidade



   Sempre lembro a frase “assim caminha a Humanidade”. Talvez seja o título de um livro, de um filme, propaganda de ortopedista... Mas é uma pena que eu não tenha criado. De cara, faria um pequeno “ajuste”. Pequeno e indispensável, por assim dizer. Modificação das mais essenciais. Quem disse que a Humanidade caminha?  Não, ela não caminha. Caminhar dá uma  noção de tranquilidade. Remete a um bucólico passeio ao entardecer. Com direito a pôr-do-sol e tudo mais. Sinceramente, isso não convence. A Humanidade não anda, não. Agora, ela corre, mano. E com motor turbinado 2.0. Se o trânsito permitir, obviamente. No dias de hoje, uma parte significativa dela está presa em algum engarrafamento qualquer. Aí a Humanidade se estressa. Xinga a mãe da Humanidade mais próxima. Algo muito triste e deprimente de se ver.
  
   Mas a Humanidade encontra outra alternativa. A Humanidade também pode voar. E a maioria voa de classe econômica. Porque não só o avião, como o preço da passagem está nas alturas. Assim a Humanidade acaba indo pro céu, sentada em cadeiras minúsculas. Feitas por quem acha que ela não precisa de joelho. E a comida ruim. E sempre insuficiente. Uma verdadeira miséria de bolacha raquítica com suco de maracujá. A fruta predileta das companhias. Servida justamente para que Humanidade não se estresse. Mas veja só. Não tem jeito. A Humanidade acaba se estressando. Chega a praguejar em pleno céu. Uma grandessíssima blasfêmia! Algo muito triste e deprimente de se ver.

   Por isso, a minha frase seria um pouco diferente. Trocaria apenas o verbo. Porque a Humanidade definitivamente não caminha. A Humanidade tropeça. Sim, ela troooo... ops!... peeeee.... ops! caaaaaiiiuuu. E infelizmente é isso aí que acontece. A Humanidade acaba mesmo caindo. E se for pra cair, que pelo menos seja no riso.

    

O Metrô-Fantasma

  
    Ontem, eu tive um sonho. Que não foi o mais bonito. Que eu sonhei em toda a minha vida. E meu sonho foi pra lá de estranho. Imagine você em plena madrugada. No aconchego de seu cobertor. Naquele calorzinho maravilhoso. Naquela deliciosa preguiça que não quer mais acabar. Então, de repente... Não mais que de repente. Aparece o Papai Noel acompanhado do Saci Pererê, que está fazendo companhia à Mula Sem Cabeça. É uma visita não muito normal. Dá até pra afirmar que um tanto esquisita. Talvez nem todo mundo veja esse trio toda noite. Mas o pior do sonho é que a gente pensa que é sempre realidade. Por mais absurdo que pareça. E esse me deixou um tanto desconfiado. Com pulga de elefante atrás da orelha. Era um pouquinho absurdo demais. Meu Saci Pererê era japonês. Aí veio aquela dúvida. Estava eu realmente sonhando?


   A minha desconfiança não durou muito. Terminou com outro desatino ainda maior. Vi passar ligeiro sobre os trilhos o Metrô de Salvador. E passou novinho em folha. Exatamente no horário. Aí foi demais! Nem precisei me beliscar. Só podia estar sonhando mesmo. Porque em Papai Noel, Saci Pererê e Mula Sem Cabeça a gente pode até acreditar. Pertencem ao mundo da fantasia. Mas no Metrô de Salvador funcionando?! Isso não tem o menor cabimento. Está além da imaginação. A mais inacreditável das ilusões.


   Já demora mais de uma década. Realmente esse metrô é uma criança difícil de nascer. Se fosse “vivo”, estaria até na adolescência. Mas ainda não passa de promessa. Que corre em seu mundo de mentirinha. Intangível como um fantasma.  E a gente não sabe de onde ele veio nem aonde ele vai. Somente que vai de alguma coisa a lugar nenhum. Algo bastante animador. Pelo menos assim, ninguém se revolta logo, sem saber que vai andar só alguns metros. Da estação Incompetência para a Estação Descaso. Fazendo uma paradinha, quem sabe, na Estação Corrupção. 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Último Romântico



   Dentro do seu peito, bate aquele coração. Não um coração qualquer.  Mas um coração especial. O coração de um romântico. Que por definição, é um coração sofredor. Sim, meus amigos. O romântico sofre. Nada mais romântico que sofrer. E o seu sofrimento deve ser genuinamente de “amor”. Não vale sofrer de outra coisa. Esqueça a bursite.  Dispense a gastrite.  Releve a artrite. A doença do romântico é o “amorite”. Já que de amor, ninguém deve sofrer mesmo.

   Mas o romântico sofre. E como é bom pra ele esse sofrimento! Tanto, que faz questão de alardear pra todo mundo. “Ai, como eu sofro!”. Seguido daquela cara de coitadinho. Um artigo básico do Romantismo. Indispensável a qualquer candidato a romântico. Fazer uma cara de lambão. Depois ele solta sua frase predileta. “Ela não me ama”. Como se toda mulher tivesse a obrigação de amar essa criatura. Na verdade, o romântico é como pinga de roça. Bonzinho só no começo. Depois... Tudo bem, eu sei que ele realmente impressiona. Aparece com aquele buquê de rosa vistoso. Diz que te ama mil vezes ao dia. Coisa mais fofa do mundo. O problema é que tudo isso, acredite, acaba enjoando. E depois vem aquele pileque horroroso. A verdade nua e crua emerge. Homem carente demais não presta. O romântico vai grudar no pé de sua amada. E não soltar mais. Ser seu pior pesadelo. Um carrapato sentimental.

   E depois dessa metamorfose. Já se sentindo um carrapato completo. Sentimentalmente realizado. O romântico vai passar pra “fase 2”. Ou seja, começa mesmo a barbarizar. Fazendo aquilo que mais gosta. Botar um monte de defeito na sua amada. Já que ser feliz no amor é seu sofrimento de verdade. E a meta agora é partir pra outra mulher que o desdenhe muuuuuito. Devolvendo sua inseparável dor de cotovelo. Sem a qual não consegue ser... feliz. Nem romântico.

   Tudo começa com uma queixazinha aparentemente ingênua. “Ela não me dá muita atenção”. Depois ele vai pegando pesado. Passa a notar uma minúscula celulite. Implica com os dois quilos acima do ideal. Com aquela cor de batom que não lhe agrada mais. E o motivo que leva o casal à primeira discussão. Ela gosta mais de mpb que de forró. Se a mulher não mandar logo esse mala engolir os CDs de forró nem acabar com a relação. O Romântico entra na “fase 3”. A Fase da Apelação.   

   Agora, some sem dar explicação nenhuma. Mas pode ser facilmente encontrado nos bares da vida. Escutando suas canções prediletas. Só pra não deixar esfriar aquele espírito romântico. Hinos de um coração incompreendido.  Coisas como “Entre tapas e beijos, é ódio, é desejo. É sonho, é loucura...”. Então vai anunciar que sua vida está uma porcaria. Que a alegria acabou. Que vai, sim, tomar veneno de rato. Uma medida extrema para fugir desse mundo cruel. Mas a amada pode deixar o raticida em cima da mesa numa boa. O romântico só tem coragem mesmo pra ser um grande chato. E quando ela não agüentar mais. Terminar com tudo. Mandar esse profissional da infelicidade pras cucuias. O sujeito ainda vai perguntar. “Tem certeza?” E sair choramingando de fininho. Sem saber por que as mulheres lhe desprezam. Por que não lhe dão seu devido valor. Achando que esse mundo é insensível demais. E ele, o último romântico.